Há algum tempo eu e ele moramos juntos. O cafofo é um apartamento pequeno, aconchegante e que fica em uma região com cara de bairro, sabe, sem barulhos de carros e ônibus e afins. Os barulhos que ouvimos, no entanto, são dos passarinhos e dos vizinhos.

Na casa imensa do terreno ao lado do prédio onde moramos, do outro lado do muro, há a Família Feliz. O apelido foi dado por nós em algum momento de ódio e, justamente por isso, acabou pegando.

A Família Feliz tem várias crianças, que saltitam, riem, se divertem e brincam com seus pais que, mesmo depois de um dia longo de trabalho, têm disposição de sobra para se curtir a vida adoidado ao lado dos filhos.

Festa de aniversário de criança numa segunda-feira à noite, com direito a gente berrando no microfone? Tem. Barulho de champanhe sendo estourado em plena terça-feira, na maior cara de pau? Lógico que tem, até porque a Família Feliz é do tipo que comemora a vida – evidente.

Futebol em dias de Sol? Uhum. Mais uma festa para vários convidados com menos de dez dias de diferença entre a fatídica festa de segunda-feira à noite para uma criança? Mas é claro! Música tema de “A Bela e a Fera” tocando sem parar enquanto todos se divertem e celebram a vida? Obviamente.

Teve um dia – juro – que o céu ficou nublado o tempo todo. No momento em que ouvimos as primeiras risadas e conversas bem-aventuradas da Família Feliz, APARECEU O SOL. Daí veio a nossa suspeita de que, no jardim de alegrias desses nossos vizinhos animados, havia, também, um Sol particular.

Na nossa rotina normal estava eu de TPM, o Philipe com dor nas costas. O ódio do final do mês ou de uma segunda-feira de manhã e eles lá: EXTREMAMENTE FELIZES.

Passamos a desenvolver, então, teorias sobre a vida pessoal dessa gente toda. O casal tinha, no mínimo, quatro filhos. “A vida sexual deles deve ser uma merda”, eu falei um dia, rabugenta e com ódio no coração. “Certeza que ele tem um caso com a secretária”, completou, compreensivo, o Philipe.

E assim passamos dias, semanas de nossas vidas: refletindo sobre a vida da Família Feliz. Cheguei a falar deles na hora do café no trabalho, inclusive. Aquele comercial de margarina ambulante realmente afetou as nossas vidas.

Ontem, por fim, descobri a verdade sobre a Família Feliz. Em resumo, ela não existe. Rindo, Philipe me contou o que descobriu com a síndica do nosso prédio: do outro lado do muro não existe uma casa familiar, mas sim um espaço que é geralmente alugado para eventos infantis. Mistério resolvido. “Isso rende uma crônica, amor”, ele me disse. De fato, a vida é uma piada e ninguém poderia ser feliz daquele jeito. Que alegria.

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